25 de abril de 2015

ela

Observei-a e fixei-me nos olhos. Neles pairava um vazio, como se aquelas pupilas fossem um programa eleitoral do PS. Queria tocar-lhe e saber-lhe os traumas, saber-lhe o caminho, saber-lhe um olhar mais feliz.
Mas quem era eu ao pé dela? Aliás, quem era eu que tinha em mim todo o desejo de a fazer feliz, se ela nem sabia quem eu era? E eu sabia quem era eu?
O mundo e o tempo seguiam o seu caminho lado a lado, de mão dada, como sempre havia sido, desde o tempo do Adão, Eva e Mário Soares. Se o tempo dá um passo, logo o mundo o acompanha. Se o mundo dá um passo, logo o tempo o segue. E eu fiquei imóvel, como se o mundo e o tempo tivessem parado só para dar uma mija. Como se ela fosse mais que o mundo e mais que o tempo e mais que o tempo e o mundo juntos e mais que o tempo e o mundo e eu juntos.
Só a olhava a ela, castelo de melancolia, masmorra de sentimentos, prisão de ventre. E ela, como se ela fosse mais que o mundo e mais que o tempo e mais que o tempo e o mundo juntos, e só não era mais que o mundo e mais que o tempo e mais que eu juntos porque ela não me conhecia, ela, dizia eu, fitava o horizonte. O horizonte dela, que só os olhos dela conheciam. E entre os olhos dela e o horizonte era o mundo dela, o mundo que ela via agora, todo aquele espaço em que se acontecesse alguma tragédia e viessem os jornalistas ela poderia dizer vi, sim senhora.
deus me perdoe mas eu matava por ela e eu nem sabia quem ela era. Muito menos ela sabia quem eu era e, deus me perdoe outra vez, que eu matava por ela. Pior, eu matava-me por ela.
Era o fim da tarde daquele dia. Já perdi o autocarro? Olhei para o relógio, não, ainda tenho cinco minutos. E apressei-me, não sem a fitar uma última vez. E prontos foi isso

Publicidadezinha